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    Muitas conexões


    por Lucas Colombo

    Foi na noite de 14 de dezembro de 2003, domingo. Eu estava em casa, depois de um dia de lazer, organizando-me para a última semana de faculdade do ano. Até que acessei um site de notícias e – oh, my gosh! – li que Saddam Hussein, o ditador iraquiano deposto pelos Estados Unidos na famigerada guerra daquele ano, havia sido capturado pelas forças americanas após oito meses desaparecido. Corri para outros sites e, também, para a TV por assinatura. Zapeei os canais e encontrei, no GNT, a mensagem ao pé do vídeo: “Daqui a pouco, Manhattan Connection ao vivo discute a prisão de Saddam Hussein”. Eu, que vejo muito pouca televisão e nunca tinha assistido ao programa, mas ouvido falar muito bem dele, resolvi acompanhar, enfim, aquela edição ao vivo. E que ótimo foi. Em Nova York, o apresentador Lucas Mendes, veterano e prestigiado repórter, conduzia o debate com extrema eficiência; o jornalista Caio Blinder e o economista Ricardo Amorim faziam análises argutas sobre o caso; e, no Rio de Janeiro, o cáustico Diogo Mainardi, colunista da Veja, dizia coisas do tipo “Eu estava na praia hoje à tarde, me divertindo, e vocês me chamaram pra vir aqui falar sobre o Saddam naquele buraco, cheio de piolhos...”. Um debate rico, perspicaz e com ótimas pitadas de ironia, direto do coração do mundo e em ligação com o Brasil. Fui fisgado.

    Hoje, o Manhattan Connection é o único programa de televisão (fora a reprise de Seinfeld) a que assisto religiosamente. A mesa-redonda dominical do GNT já é um ‘clássico’. Há 16 anos no ar, contou, entre seus integrantes, com o grande Paulo Francis – de 1993, quando começou a ser transmitido, até 1997, quando o jornalista faleceu. Ver no Youtube trechos da edição especial veiculada após a morte de Francis é sensacional. Além dele, também marcaram presença na bancada Nelson Motta, Arnaldo Jabor e Lúcia Guimarães. Ricardo Amorim entrou para o time de debatedores em 2003. Diogo Mainardi, também. Lúcia, um pouco antes. Neste ano, com a transferência dela para o Saia Justa, o repórter Pedro Andrade assumiu as matérias sobre cultura e comportamento em Nova York.

    Desde o início, porém, está Caio Kraiser Blinder. Ele morava nos EUA havia quatro anos, atuando como correspondente da Folha de S.Paulo (da qual já tinha sido editor de Exterior), quando foi convidado por Lucas Mendes para participar do então novo programa, ao lado também de Nelson e de Francis. Topou... e, à mesa, passou a protagonizar as hoje célebres discussões com Francis. Os telespectadores adoravam os ‘combates’: Francis, que se tornara um conservador em seus últimos anos de vida, ficava irritado com as opiniões mais à esquerda de Caio, e o debate esquentava. A controvérsia, no entanto, era só em frente às câmeras. Como diz Caio nesta entrevista, pessoalmente eles se davam bem. O jornalista até afirmou, em uma edição recente do Manhattan, que “deve” sua carreira às polêmicas travadas com Francis.


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    Quando pensei em como contemplar a pauta “começo do governo Obama” no MM, logo me veio à cabeça: “uma entrevista com o Caio Blinder, claro. Ele é a pessoa pra falar sobre isso”. Caio é um dos jornalistas brasileiros mais respeitados. Além da Folha, já passou por diversos outros jornais e revistas, como O Globo, Exame e a extinta Primeira Leitura. Teve, ainda, uma coluna no site da BBC Brasil. Atualmente, afora o Manhattan, é colunista do Portal iG e correspondente da rádio Jovem Pan, de São Paulo. Também escreve resenhas de livros para o Estadão. Falando em livros, Caio já publicou dois: “Manhattan e Outras Conexões”, uma coletânea de textos sobre política, economia e cultura que produziu nos EUA para jornais brasileiros, e “Terras Prometidas”, também uma reunião de artigos seus com reflexões sobre vários assuntos e personalidades, da política à cultura, relacionados ao judaísmo, sua religião. Um terceiro – revela Caio, aqui – pode estar a caminho: uma coletânea de resenhas de livros feitas para o Estadão, para a Primeira Leitura e para a BBC Brasil. A conferir.

    Nesta entrevista, concedida por e-mail desde Nova York, ele fala de Obama e de seu governo, da crise econômica que assusta o mundo, do futuro dos jornais e, é claro, do Manhattan Connection. Então, como diria seu colega Lucas Mendes, “Angélica, vamos perguntar”.

    1. Prezado Caio, você mora nos Estados Unidos há 20 anos, trabalhando como correspondente internacional primeiramente da Folha de S.Paulo e atualmente da rádio Jovem Pan. Já passou por vários outros veículos: TV Cultura, O Globo, Exame, BBC Brasil... Participa do Manhattan Connection desde o início, em 1993, como debatedor e pauteiro. Com toda essa experiência, você ainda se surpreende com os fatos? A realidade ainda guarda surpresas para você, ou você acha que já viu de tudo? Você esperava um Obama?

    Caio – Ainda me surpreendo com os fatos. Em caso contrário, minha vida jornalística seria um tédio profundo. Ainda me emociono e me assusto com os eventos, é verdade que menos do que no início de carreira. Ademais, vivemos num ciclo informativo 24/7 em que é muito fácil transformar o banal em espetacular. Sobre o Obama, me emocionei, mas até que esperava. Já errei e chutei muito no jornalismo, mas com Obama acertei em cheio desde sua eleição para o Senado em 2004. Ele é o homem certo para estes tempos terríveis, mas ricos em oportunidades históricas. Esperava Obama, pois ele encarna mudanças demográficas, raciais, étnicas e culturais neste começo do século 21. Talvez haja algo de messiânico em Obama (autoinflingido), mas ele também está consciente sobre seu papel histórico de agente da mudança. Esta última expressão é um clichê, mas como muitos clichês captura com precisão o que está acontecendo.

    2. A vitória de Obama foi, evidentemente, um fato repleto de significados. O desempenho dele nas urnas, porém, não foi tão arrasador quanto se previa. Obama empolgou o país, levou um número enorme de jovens às cabines de votação e ganhou apoio maciço da população negra, mas obteve 53% dos votos populares, apenas 7% a mais do que o rival, John McCain. Alguns jornalistas e cientistas políticos até disseram que, se a economia não tivesse degringolado, Obama teria sido superado por McCain, devido, sim, à cor da pele dele. Seu colega Lucas Mendes, mesmo, comentou no Manhattan Connection, quando estourou a crise, que se Hillary Clinton fosse a candidata democrata ela estaria muitos pontos mais à frente de McCain nas pesquisas do que Obama estava. Quão forte ainda é o racismo nos EUA?

    Caio – Racismo e outros preconceitos subsistem mesmo em sociedades mais avançadas e sofisticadas. A vitória do Obama é importante para enfraquecer estes preconceitos. No final das contas, Obama será julgado pelo caráter do seu governo e não pela cor de sua pele. Fundamental para mim é o componente demográfico. Obama teve votação arrasadora entre os mais jovens, uma faixa populacional mais despojada dos velhos preconceitos. Em meados do século, minorias serão a maioria neste país, um dos melhores laboratórios democráticos do mundo. Os americanos e o resto do mundo devem se orgulhar da eleição do Obama. A tarefa agora é não ficar deslumbrado e julgar Obama por seu desempenho presidencial.

    3. O ministério escolhido por Obama foi, de início, recebido com estranhamento pelos americanos, já que ele chamou vários veteranos do Partido Democrata para compor a equipe (e manteve um republicano) depois de fazer uma campanha ancorado no tema “mudança”. Informações atuais, no entanto, já dão conta de que o time está sendo mais bem aceito, até porque são pessoas notoriamente experientes, que inspiram confiança neste momento em que a crise mostra todas as suas garras. Como está, enfim, o ‘mood’ dos americanos em relação à equipe de Obama? Os problemas que dois (ex-)ministros tiveram com declaração de impostos foram muito mal recebidos? Em um de seus boletins para a Jovem Pan, você comentou que essas pisadas na bola na nomeação de ministros podiam ser uma “saudável ducha de água fria” na obamania...

    Caio – De fato, basta de lua-de-mel. Obama não caminha sobre as águas. Seu governo está em uma enrascada devido à grave crise econômica. Ele ainda desfruta de muito apoio, pois não desperdiçou muito capital político, apesar das pisadas de bola. A sorte é que a oposição é muito retrógrada e os republicanos tentam resistir a Obama com um discurso da época de Reagan sobre o perigo de um big government. O governo hoje é grande, pois o resto murchou e não existem muitas alternativas além desta maciça e necessária intervenção estatal na economia.

    4. Falemos um pouco da crise. A opinião consensual dos analistas é de que 2009 é um ano perdido para a economia. O FMI já divulgou que o crescimento mundial neste ano poderá ser zero. Nouriel Roubini, o economista apelidado de “profeta da crise” por ter previsto o estouro da bolha imobiliária e a consequente escassez de crédito nos EUA com anos de antecedência, já disse que não vê luz no fim do túnel, em curto prazo. Pelo que você tem visto e ouvido por aí, quando finalmente veremos essa bendita luz, Caio?

    Caio – Não sou especialista em economia e nesta área errei muito. Estava muito otimista achando que uma virada econômica já seria possível neste ano. Confesso estar meio perdido, pois o buraco é mais fundo. Mas a saída da crise será nos EUA e não em países superemergentes como a China. Começou aqui e vai terminar aqui, embora concorde que a hegemonia americana irá se reconfigurar em mundo político e econômico mais multipolar.

    5. Perguntas que não querem calar: por onde anda Sarah Palin? Dedicando-se a ver a Rússia de sua casa no Alasca? E será que Bush aceitará o convite de Lula, com quem é pessoalmente muito parecido, para vir pescar no Brasil?...

    Caio – Sarah Palin representa o setor mais retrógrado do conservadorismo americano. Tem muito futuro neste enclave político. Quanto ao Bush, promete ir para a lixeira da história como um dos piores presidentes americanos. Não sou fã do Lula, mas, do jeito que as coisas são, seu retrato na galeria será mais bonito do que o de Bush. As relações entre os dois eram boas, pois o Brasil de Lula não era importante para o Bush. Acredito que o Lula realmente não queira o terceiro mandato. Assim, os dois podem em breve programar uma pescaria. Nem precisam levar o intérprete.

    6. Outra pergunta inevitável: se o saudoso Paulo Francis, que foi seu colega de bancada no Manhattan Connection, vivesse hoje, o que diria sobre o Obama? Faria cara de enfado e começaria a cantar “Summertime” quando vocês tocassem no assunto?...

    Caio – É isso aí. O Francis faria isso mesmo. Tornara-se muito previsível.

    7. No começo, as discussões acaloradas entre você e Francis chegavam a ser uma ‘atração’ do Manhattan. Ele te chamava de “comunista limonada”, “esquerdinha 68” e outros apelidos ‘carinhosos’... Você já declarou, porém, que suas desavenças com o Francis eram apenas em frente às câmeras. Pessoalmente, então, vocês se davam bem?

    Caio – Nos dávamos bem, pois eu conhecia o meu devido lugar no espetáculo. Nunca tive a pretensão de brigar de igual para igual e, se tentasse, levaria um nocaute estonteante, não apenas pela capacidade polêmica do Francis, mas porque não é do meu feitio ir para a jugular. O desafio com o Francis não era debater no programa da semana, mas voltar no seguinte. Nós éramos escadas (eu e o Nelson Motta) para o show Francis.

    8. O Manhattan Connection já tem 16 anos. É uma das atrações mais longevas da TV por assinatura brasileira, com um público fiel. Eu assisti ao programa pela primeira vez em 2003 e fiquei viciado (aliás, vocês têm uma audiência jovem expressiva). Acho o debate sempre muito bem informado, agudo e irreverente. Estou entre os que consideram o Manhattan o melhor programa da TV brasileira. Já ouvi, contudo, muita gente que ainda não cresceu ideologicamente dizendo que vocês fazem um jornalismo “elitista”, “pedante” e outros adjetivos incríveis ainda usados no Brasil. Dá para responder a essas pessoas?...

    Caio – Somos o que somos no programa. Não creio que o Manhattan Connection seja elitista. Pelo contrário. Até falamos (demais) de assuntos de cultura popular. Todos nós somos bem informados, com boa bagagem cultural e saudavelmente autodepreciativos sobre alguns assuntos. E temos transparência para assumir ignorância ou desinteresse sobre outros temas. Boa fórmula. Nada genial, apenas competência. O problema talvez seja o baixo nível da televisão brasileira e não nosso suposto alto nível. Gosto muito da equipe atual. Cada um com sua personalidade, manias, obsessões e contribuições.

    9. Fale um pouco sobre a rotina do Manhattan. Sei que o programa é geralmente gravado na sexta-feira. Quando você e o Lucas Mendes elaboram a pauta? O Ricardo Amorim, o Diogo Mainardi e o Pedro Andrade sugerem temas? E os e-mails dos telespectadores, que vocês costumam responder, são muitos? Pelo que vemos, o público se manifesta sobre tudo, desde as opiniões suas e do Diogo até as roupas que cada um usa...

    Caio – Na cozinha do programa estão o Lucas, a Angélica Vieira (produtora executiva e editora de imagens) e eu. Agora o Pedro é ativo para propor o seu próprio material, e o Ricardo e o Diogo dão sugestões ou fazem intervenções no ato, ou seja, nos pegam de surpresa, durante a gravação. A pauta é móvel, adaptada aos assuntos que surgem ou morrem na semana. Mas é fundamental, claro, não ficar apenas no óbvio e descolar coisas originais e tentar remetê-las para o arroz-feijão da semana. Estamos sempre trabalhando, fardo de quem vive de jornalismo.
    O internauta é um típico espectador de programa de televisão: tem pateta, tem excêntrico, tem gente engraçada, tem gente chata e tem gente inteligente. Como o programa é veterano, irreverente e transparente, muitos espectadores tomam liberdades e se sentem em casa. No problem.

    10. Qual sua opinião sobre o tão desacreditado futuro da chamada mídia impressa? A revista Time publicou, em fevereiro, artigo anunciando a ‘morte’ dos jornais, devido à queda nas vendas e na quantidade de anúncios, e a migração definitiva de suas edições para o online - sem que eles saibam, no entanto, como se sustentar na internet. Você concorda?

    Caio – Vão sobrar alguns jornalões como o New York Times e o Wall Street Journal nos EUA. A internet ainda não encontrou um business model viável. Isto precisa acontecer, pois jornalismo não pode viver de palpiteiros como eu. Exige reportagem, o que custa dinheiro e tempo. O consumidor de informação na internet precisa ser educado que informação é uma commodity, ou seja, deve pagar pelo acesso. Um dia o barato sairá caro, caso não haja recursos para sustentar um jornalismo profissional. Não adianta um blogueiro escrevendo para outro blogueiro ou para si mesmo.

    11. Na imprensa americana, o que você não deixa de ler (ou assistir ou ouvir)? E na brasileira, o que você acompanha? Para terminar: além do “Manhattan e Outras Conexões” e do “Terras Prometidas”, há mais algum livro em vista?

    Caio – Leio, vejo e escuto de tudo. Favoritos para mim são Wall Street Journal, National Public Radio e revista New Yorker. Acompanho muito pouco a mídia brasileira, basicamente dou uma olhada online. Por vínculos profissionais acompanho com mais atenção a Jovem Pan, o Portal iG e o Estadão.
    Adoraria escrever outro livro, mas não tenho tempo para uma “obra original”. Próximo projeto, nada original, uma coletânea. Uma das ideias é reunir resenhas de livros publicadas na BBC Brasil, na finada revista Primeira Leitura e ultimamente no Estadão.

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