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    Um ensaio alcoólico sobre Obra Aberta, de Umberto Eco


    “O que diferencia a visão einsteiniana da epistemologia quântica é, no fundo, justamente essa confiança na totalidade do universo, um universo em que descontinuidade e indeterminação podem, em última análise, desconcertar-nos em sua imprevista aparição, mas que na realidade, para usarmos as palavras de Einstein, não pressupõem um Deus que joga dados, mas o Deus de Spinoza, que rege o mundo com leis perfeitas.” (ECO, Umberto. "Obra aberta", p. 61)

    Não conheço artista ou crítico literário que entenda, um pouco que seja, de Física. Dane-se. Talvez nós, os-caras-de-humanas-fumantes-de-erva-vendedores-de-miçangas-na-praia, nem devamos mesmo entender além das respectivas repercussões filosóficas da physis. Coisa de karma -  ou outra desculpa exotérica-astrológica esfarrapada.

    Primeiro deixa eu explicar a tosquice do título e o azedume a seguir: enquanto escrevo, meu computador está submerso em roupas e tralhas de um roupeiro desocupado. Criação caótica à base de vinho (uma garrafa sempre meio cheia e meio vazia). O escritório será esvaziado para dar lugar ao meu amado bebê e seu respectivo berço. Saem os pôsteres dos Beatles, besouros de parede, e aninha-se a Galinha Pintadinha. Acabo de consultar meu extrato e os sinais de subtração ao lado dos números em vermelho instigam a uma solução mágica e dadaísta, por mais que o “ideal” fosse uma saída mais iluminista/positivista.


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    Dane-se de novo. Ao texto. Ao Eco.

    Quem “quase” chancela e perdoa o desconhecimento de Física Clássica dos (e das) caras de humanas (e ao mesmo tempo como que encontra uma missão “disruptiva”, olha aí uma palavra da moda!) é o italiano Umberto Eco em sua Obra Aberta, publicada pela primeira vez em 1962. Claro que Eco dirá isso de maneira muito menos tosca.

    Por acaso, Eco é um dos estudiosos de filosofia, estética, linguística e signos que passam mais perto de entender “bulhufas” de exatas (ao que parece) -  e, mesmo com essa “escorregada hegeliana” na formação, o cara dá uma puta moral para a importância dessa “visão meio turva”, de hybris, dos artistas borrachos orbitando por aí atrás de inspiração nos becos escuros.

    Os caras de humanas estariam atentos (de um modo muito particular) às sutilezas e às incomunicabilidades do nosso planetinha. Vem comigo.

    Sirvam nossas façanhas escolares de embasamento para uma enviesada tese meio pós-modernista-derridiana-disruptiva-e-o-carai-a-quatro sobre para que, afinal,servem os artistas que não sabem calcular nem o troco do busão (eita frase meio pornopopeica de Reinaldo Moraes, tchê!).

    Ensino Médio. Quando eu olhava para aqueles arabescos no quadro (tidos como fórmulas essenciais que explicariam algum fenômeno imprescindível da natureza, o que, claro, me deixava deprimido pela total impossibilidade de ajudar nessa nobre tarefa) este aluno aqui só conseguia “derivar”  -  completamente -  daquela estrutura complexa rabiscada em giz.

    Eu viajava longe. Imaginava a maçã na cabeça de Newton, meio escarlate, apodrecida, imaginava um galo na cabeça do cara… Ou pior: fazia uma leitura toda própria, solipsista, tipo o Pequeno Príncipe com aquela sonhadora (ou patológica) “alegoria do chapéu” (“na verdade”, o elefante dentro da jiboia… Ok, carinha monarquista/anarquista… os adultos são todos mesmo uns babacas).

    Chupa, professor de Física. Eco está aí para nos dar razão. Um a zero para os artistas

    Diz o autor de O Nome da Rosa: a Física clássica achava que o mundo era todo certinho, a ponto de os cientistas tentarem determinar todos os fenômenos, até os mais caóticos, com uma régua pra lá de suspeita. Só que o princípio de causalidade entrou em crise com a Física Quântica (Anos 30) e a contradição e a indeterminação passaram a ser um resultado válido (o que “quebrou as pernas de muita gente”, touché!).

    Como é que um Teorema de Pitágoras (que tenta dar conta dos triângulos, diz o Google) poderia explicar um poema, meu filho? A ambiguidade faz parte do sistema, caramba! A desordem está na ordem, o caos é sempre uma possibilidade! Além do mais, como é que aqueles cálculos de cinco linhas poderiam prever e expressar as minúcias da emoção humana e dar forma estética para o que ainda nem “existe”?

    Brincadeiras à parte, o artista tem um lugarzinho reservado “na fila do pão dos grandes movimentos da civilização”. O artista colaborou para que a sociedade desse um passo adiante nas grandes explicações e questionamentos científicos, sociais e o caramba (Menos o Romero Britto, claro, heheh).

    O mundo contemporâneo se assume mais complexo e contraditório, aponta Eco, nos idos esfumaçados dos Anos 60. No passado, sempre que tentávamos ordenar a bagaça como “os donos da bola”, só o que a gente fazia era mistificar a realidade complexa e imprevisível.

    Eco fala de uma tal “fruição ativa” da arte. Cada vez mais artistas, em vez de colocar seu dick na mesa e se acharem os caras, entendem que a construção da obra também engloba o “interlocutor”. Eles deixam um espaço para a construção conjunta. Um precisaria do outro, ainda que uma síntese desse processo não seja mais possível, tal qual Kafka e outros já deixaram claro (?).

    E ainda tem mais uma “sacada” do Eco: até os artistas mais “descoladinhos”, vanguardistas, esbarram em uma forma estética e se submetem em maior ou menor grau a uma “obra” (construção/forma), sob o risco (se “cagarem” para o lance) de derivarem tanto que a arte viraria rabisco ou mero ruído. O resultado (?) é uma filiação quase involuntária a um certo nível de conservadorismo e tradição, mesmo com o hype dos tênis vermelhos e dos óculos de aros grossos.

    Igual tá valendo, filho… Cada um faz a Arte que lhe aprouver na pós-modernidade, mesmo que se pareça com os dejetos de uma pomba (claro que o Eco salienta que as manchas “tachistas” modernistas, por exemplo, ficariam lá meio à deriva, no limiar da incomunicabilidade; um tanto descoladas de uma intencionalidade de autoria, esperando sempre uma leitura do público para existir enquanto significado/significante. Dito de outra forma: tem vitalidade, evoca sensações, porém a potência titânica está na alegoria, no que pode ser e não necessariamente é).

    Aliás, na Teoria da Informação de Eco (que cabe bem nesta abordagem sobre o papel dos artistas), a “redundância da estrutura” remeteria direto ao significado, seria uma objetividade boa para nos entendermos no trânsito, tipo o símbolo/semáforo para o motorista (barbadinha de entender, verde, amarelo e vermelho). Agora… quando uma estrutura improvável se apresenta é que os sentidos se abrem para novas possibilidades (a gente sai da zona de conforto). Os artistas, pois, são importantes para quebrar os estatutos da Arte e provocar uma nova sensibilidade sobre as coisas, sobre as mesmas coisas de forma diferente, talvez.

    O óbvio nos limita. As ambiguidades, as obras abertas, fazem a gente se debruçar sobre um problema, nem que seja reinterpretando, seguindo adiante, cutucando nas obras alheias. Tipo um cientista tentando dar concretude para as maquinarias de papel idealizadas por Julio Verne. É um processo de leitura e releitura, formação e deformação; a necessária (?) morte freudiana do papai de Édipo, diria Harold Bloom.

    Pena que meus professores e boletins (com nota vermelha) nunca tenham levado em conta essa derivação artística complexa que eu dava para os signos das fórmulas de Física no quadro. Ciência e Arte estão sempre dialogando. A Arte é a grande mediadora, ajuda a compreender novos aspectos e a sugerir novas possibilidades, é quase um tubo de ensaio para as alterações concretas do mundo sensível. A Arte propõe a ruptura de modelos, e dá aquele “molho” todo especial para a vida (Menos o Romero Britto, é claro).

    Pena que fui ler Umberto Eco tarde demais. Se eu fosse uma dessas criança índigo da atualidade, teria sido abençoado com o saber illuminati, teria trazido comigo, de outras vidas todas, as respostas exatas, “ao gosto do freguês” do cânone do ensino fordista. A verdade, entretanto, é que não há verdade. Tudo o que está posto aqui não está nem certo nem errado… E mesmo diferindo da utilidade de um martelo ou de um celular, a Arte ajuda muito na formação de alunos, desenvolve processos mentais “disruptivos”, não apenas as capacidades robóticas e pragmáticas...

    De uma coisa tenho certeza nesse oceano de incertezas e deuses mortos: nunca saberei o que é uma Equação de Torricelli. Quando falam na TV sobre o tal “universo numa casca de noz”, consigo pensar apenas naquele esquilinho faminto da animação A Era do Gelo. Me sinto um completo idiota. Na verdade, um idiota leitor de Umberto Eco. Incompleto, portanto. Sempre uma obra aberta com potencial caótico para mais e mais idiotice quântica.

    Talvez a idiotia seja uma qualidade, afinal, vide as postagens políticas do Facebook, (derivando aqui de uma observação de Eco, falecido de câncer no Pâncreas em 2016, se me permite). Dica para a vida: é interessante manter desenvolvido um certo QI, o quociente de ignorância sobre as coisas, desde que não se exagere na dose. E tem gente exagerando na dose.

    Mas, enfim, agora peço licença. Tenho de levantar a bunda dessa cadeira e sair à cata do vil metal. Tenho um lote inteiro para capinar, a minha obra aberta está à espera da enxada, sempre a ensejar mais e mais manejo, no limiar entre leitura e força bruta, neste meu lugar de fala humanóide-proletária, planície caótica em que convivem barbárie e civilização. Não uma Epopeia, senão a Pornopopeia diária.


    jeison carnalJeison Karnal

    Jornalista e escritor, autor de O Negociador de Reféns (2014).



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