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    Operação Questionar


    Um dos mandamentos que um jornalista deve ter em mente para a realização de uma boa entrevista é saber-se um... jornalista, não jogador de vôlei. Ou seja, não deve “levantar a bola” para o entrevistado genial falar só o que quiser. Mais ainda se esse for um político, indivíduo que, numa democracia, tem de estar sob permanentes fiscalização e cobrança.

    Entrevista sem contestação é press release, e o que tenho notado nas poucas e rápidas vezes em que, nestes tempos de crise econômica e política, Dilma Rousseff responde a repórteres é justamente a inabilidade deles em formular perguntas contundentes e incômodas (aqui e aqui, por exemplo). As questões, quando não ficam apenas na pauta do dia ou no terreno das picuinhas e tentam abordar temas delicados, são frouxas: “E o caso da Petrobrás, presidente?”, “Sobre estarem falando em impeachment, o que a senhora tem a dizer?”, “Qual sua expectativa para as manifestações de protesto?” (cuja resposta nunca será “acho que são erradas!”). Assim, dão a Dilma, já ruim em oratória, apenas a oportunidade de repetir o discurso ensaiado com marqueteiros e com seu partido, sem obterem nenhuma informação ou reação diferente. Redundância não comunica, como devem se lembrar das aulas de Teoria da Comunicação na faculdade.

    Portanto, aqui vão, colegas, minhas sugestões de perguntas, para a próxima ocasião em que Dilma encontrá-los:


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    1. Presidente, a senhora passou toda a campanha de 2014 criticando as propostas de enxugamento de gastos de seus adversários Aécio e Marina. Dizia que, se eles as executassem, programas sociais seriam comprometidos. A senhora não confundiu gasto fiscal com gasto social?

    2. A senhora dizia, também, que Aécio e Marina, se eleitos, aumentariam impostos, gasolina e energia e endureceriam acesso a benefícios trabalhistas, ao contrário da senhora. Logo após sua posse, contudo, sua equipe tomou medidas exatamente nessas direções. Brasileiros a têm acusado de mentir na campanha. A senhora fez isso? Não seria o caso de pedir desculpas ao povo?

    3. O esquema de corrupção na Petrobrás, conforme seus delatores, vicejou de forma “institucionalizada”, com propinas a partidos como PT e PMDB, a partir de 2003, no governo Lula, durante o qual a senhora foi diretora do conselho de administração da estatal e ministra de Minas e Energia e poderia muito bem ter checado a lisura de contratos. Quando questionada sobre o escândalo, porém, a senhora valeu-se do discurso de que a corrupção começou no governo FHC e que deveria ter sido investigada naquela época. Acha que isso justifica a registrada durante o governo petista? Acredita que, ao não assumir responsabilidades, passa um bom exemplo à sociedade que governa? Não seria, de novo, o caso de pedir desculpas por não ter vigiado seus subordinados?

    4. O doleiro Youssef, em delação premiada, afirmou que tanto a senhora quanto o ex-presidente Lula sabiam do esquema de corrupção. É verdade? E o que a senhora fez?

    5. O ex-diretor da estatal Pedro Barusco declarou na CPI que repassou dinheiro desviado da empresa para a primeira campanha da senhora à presidência, em 2010. Em momento algum a senhora se interessou em saber se todo o dinheiro que chegava aos cofres da sua campanha era limpo? Se ficou sabendo de algo estranho, por que não denunciou ou pediu que parasse?

    6. Se comprovado que dinheiro público foi desviado para o caixa de políticos e partidos, inclusive o seu, o PT deve ser cassado? A senhora defende punições para os envolvidos nesse crime? Quais?

    7. Depois do “panelaço” que brasileiros fizeram durante seu pronunciamento na TV, no começo de março, a senhora afirmou que protestos pacíficos fazem parte da democracia. Seu partido, no entanto, não foi tão tolerante: disse que o evento partiu de uma “orquestração golpista da burguesia” e foi financiado pela oposição. Após as manifestações de rua do dia 15 de março, os militantes petistas ecoaram esse discurso. A senhora concorda com a opinião de seu partido e de seus militantes? Responda com sim ou não, por favor.

    8. No pronunciamento, a senhora pediu paciência à população. “Paciência” não é o que nossos governantes nos pedem desde 1500?

    9. Seu partido também sempre afirma que as reclamações sobre o governo vêm da “elite branca”. Segundo o Datafolha, 62% da população desaprova sua gestão. Mais de 60% dos brasileiros, portanto, são ricos e brancos?

    10. A senhora sempre diz que a economia brasileira não vive uma crise, só a economia internacional, sendo que EUA e Europa já voltaram a crescer e a China segue veloz. Nosso PIB de 2014 foi zero, e as previsões para o deste ano são péssimas. A inflação estourou o teto da meta. O desemprego está subindo. A produção industrial cai há meses. Há risco de falta de energia elétrica. Isso não é crise?

    Em seu perfil no blog que mantém no portal G1, o ótimo repórter Geneton Moraes Neto escreveu: “Quando entrevista um personagem, faz, a si mesmo, a pergunta sugerida por um editor inglês: ‘Por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?’. É a fórmula ideal do jornalismo.” Indeed. Quanto mais conseguir que o entrevistado diga o que não deseja dizer, mais o jornalista cumpre seu papel. A imprensa, que tem entre suas funções a de criticar e fiscalizar (e a brasileira, ao contrário do que muitos apregoam e do que ela própria acha, é menos crítica do que parece), sai ganhando, e o público também. O tão maltratado interesse público, então, ainda mais.

    Antípodas

    Boyhood”, de Richard Linklater, é um filme que pode facilmente ser chamado de “bonito”, e o tem sido. Não deixa de haver beleza no que mostra, claro: a vida, da infância à entrada na universidade, de um garoto, Mason, desempenhado pelo mesmo ator durante dez anos, o que confere ainda um caráter documental à produção. A estética, como convém, é naturalista (nada de efeitos especiais ou enquadramentos não tradicionais), e a passagem do tempo é trabalhada de modo orgânico, sem recorrer a comodidades como plaquinhas de “xis anos depois”. As panquecas com xarope no café da manhã, o papo afetuoso sobre o carro e a reunião de amigos no dia de Ação de Graças não deixam dúvida: estamos diante da classe média americana (e como é bom ver as escolas bem equipadas, com alunos que gostam do conteúdo das aulas). Mas o olhar do diretor é claramente afetivo. Não vi críticos notarem que a proposta é que nos encantemos pelo guri, que parece não ter defeitos. É bom aluno, faz amigos por onde passa, logo tem um talento reconhecido, raramente bebe, usa drogas ou se irrita. Tudo em “Boyhood” – personagem, trilha sonora, situações – parece feito para ser cute, vício de cinema “indie” americano. Além disso, com as cenas dos últimos 60 minutos, em que Mason e a(s) namorada(s) “discutem a relação” e filosofam sobre o que pretendem fazer da vida, em algumas falas irreais para pessoas da idade deles, Linklater quase faz do filme mais um da sua série iniciada com “Antes do amanhecer”. A história também fica repetitiva a partir da metade (mais uma rodinha de violão? Mais uma viagem?), levando-nos a pensar se seria realmente o caso das quase três horas de duração. Vale pelo empreendimento, mesmo. Talvez seja de produções assim, mais pessoais, ao mesmo tempo espiritualmente delicadas e formalmente ambiciosas, que o cinema americano precise para fazer frente às séries de TV, tão mais atraentes, dos pontos de vista dramatúrgico e narrativo, hoje. Poderiam ter vindo mais Oscars além do de Atriz Coadjuvante, para Patricia Arquette.

    * * *

    Quanto a “Relatos selvagens”, o filme argentino que reúne seis histórias de raiva e perda de limites, é simplesmente um dos melhores dos últimos cinco anos (os outros? “Guerra ao terror”, “A pele que habito”, “Amor”, “Dentro da casa” e “Boyhood”). Espetáculo de roteiro, que consegue extrair o máximo de tensão e conflito de tramas simples. Diálogos afiados (fiz uma relação dos melhores para o blog), direção que não deixa nenhuma cena durar mais ou menos do que o necessário e visão de mundo sem maniqueísmo (personagens de todas as gradações sociais mostram-se passíveis de desonestidade e incivilidade). Se você quiser um retrato de como as pessoas têm reagido neste século 21, veja-o. É o “mal-estar na civilização” atual tornado filme. É o ambiente das redes sociais ficcionalizado.

    (Mas claro que defender a superioridade do cinema argentino perante o brasileiro é “bobagem”, é “exagero”, é “complexo de vira-latas”, etc. etc.)

    * * *

    “Boyhood” faz querer abraçar a humanidade; “Relatos selvagens” faz querer exterminá-la. São filmes para se ver em sequência.


    lucas colombo assinaturaLucas Colombo

    Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).


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