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    Não há rei no Brasil


    Assistir ao filme Chatô, o rei do Brasil, neste 2015, é fazer um exercício de constatação e de contextualização. Vendida pelo diretor, Guilherme Fontes, como realmente sendo a vida de um rei (a biografia escrita por Fernando Morais também tem o subtítulo "O rei do Brasil"), a história do empresário de comunicação que trouxe a televisão ao Brasil oferece hoje uma oportunidade de notar e questionar nosso hábito de entronizar e endeusar celebridades e até perdoar abusos de profissionais de talentos duvidosos, e mesmo os comprovados. No filme, assistimos a um desfile dos defeitos de caráter do personagem retratado e intitulado como monarca. Chantagista, desleal, violento, mas carismático e com grandes realizações no currículo, Assis Chateaubriand (1892-1968) deixava sua personalidade se sobrepor a princípios e valores éticos.

    Um desafio ao pensarmos, em 2015, sobre uma história que acontece entre as décadas de 1930 e 1960 é procurar exemplares de grandes empreendedores que não cometam os mesmos abusos do jornalista e advogado. Bill Gates, Ratan Tata, Richard Branson são alguns que vêm à mente. Muito mais fácil é lembrar nomes de pessoas que se igualam ao dono dos Diários Associados em falta de virtudes. Se aqui no Brasil, há mais de 50 anos, Chatô usava o que chamava de jornalismo para conseguir dinheiro e comprar quadros para o que veio a ser o Museu de Arte de São Paulo (Masp), em troca de não publicar histórias desabonadoras (reais ou inventadas) em seus jornais, no Reino Unido, onde ele foi embaixador, houve recentemente a condenação de nove funcionários do tabloide News of the World por instalarem escutas em celulares de celebridades e de políticos, com o objetivo de obter "bombas" para publicação.

    Caso a adaptação de Fontes alcance um público maior do que o livro alcançou, será ótimo, porque conhecer e recusar os métodos de Assis Chateaubriand para alavancar seus jornais e sua TV ajuda no entendimento da atual conjuntura do país: paralisação política e econômica causada também pela metodologia das falcatruas, negociatas, corrupção, promiscuidades infinitas entre o setor público e o setor privado. No início do longa, ouvimos o personagem dizer que gostaria de ser lembrado por seu grande apetite, para em seguida o presenciarmos alimentando seu império com dinheiro provindo de suas chantagens e achaques. Hoje, igualmente vemos o desenrolar de uma saga de interesses pessoais protagonizada por glutões cujo desenfreado apetite pelo dinheiro público e pelo poder já levou alguns a provarem o menu da carceragem da Polícia Federal no Paraná.


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    Outro defeito do empreendedor Chatô, mostrado por Fontes, é o autoritarismo, evidente no tratamento desumano dado a um fotógrafo. Quando o profissional se cansa do abuso e diz que vai abrir o próprio jornal, Chatô se enfurece e o ameaça. Concorrência não era admissível no falso reino chatobriano. Hoje, seria um pouco diferente. Nosso 2015 de Uber, economia colaborativa, coletivos culturais e crowdfunding germinados na internet é um antídoto ao personalismo histriônico de Chatô e de tantos outros empresários. Para quem for assistir ao filme sem ter lido o livro, é bom não esquecer que um risco ao entrar em contato com personagens como esse é se deixar seduzir por seu carisma e excesso de autoconfiança, ou achar que seus abusos são perdoáveis em nome de suas realizações.

    Questões políticas e éticas de lado, o filme faz rir e proporciona um agradável passeio pelo Rio de Janeiro da primeira metade do século 20. Os atores Marco Ricca, Andrea Beltrão e Leandra Leal empregam seus talentos numa história que não seria tão bem contada sem eles. Também chama atenção a opção do diretor por criar um "julgamento" de Chatô num programa de TV da época. É um trecho em que o público pode avaliar a conduta do empresário, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Ali são expostas suas chantagens e sua compulsão sexual, e o próprio homem se permite uma reflexão sobre seus atos.

    Constatar que Chatô não era nobre nem rei e extinguir essa mania de aprovar reinações ilusórias pode ajudar o país a ter, daqui a um bom tempo, mais adultos que agem como soberanos de seus direitos, que sabem evitar a entrega do poder a figuras - chegamos a elas - que aceitem ou colaborem com métodos como os expostos no filme. Afinal, o ano em que Chatô chega às telas, depois de 20 anos de demora, também é o das prisões dos maiores empreiteiros do país e de um líder do governo em pleno mandato de senador. Conhecer a vida de Chatô, e reconhecer ou não méritos de Guilherme Fontes como realizador, é vantajoso para que fique escancarada a necessidade de uma vacina contra histórias de falsos reis - e a de um diretor que levou décadas para entregar um filme em que se usou dinheiro público.

    Como se alguma mágica lhes fosse lançada, brasileiros cedem cetros e coroas a jogadores de futebol, cantores, marcas, empresas e políticos, facilmente e sem questionamentos. No entanto, se Chatô foi o "rei do Brasil", esse epíteto detestável transformava todos os brasileiros em súditos dele, coisa que não somos ou não deveríamos ser. Somos, agora, em 2015, um povo que sai às ruas, que se organiza pelas redes sociais, que adia ou estanca uma reforma educacional indesejada e autoritária no estado de São Paulo, por exemplo, protestando e mostrando de forma forte sua opinião. Não há mais espaço para reis no Brasil.

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