Há idiotas até em Águas Internacionais. Piratas lutam contra eles, diariamente. Em terra firme existe um sem-número. Eles têm bandeiras e cânticos. O mundo está infestado. Segundo consta, é a maior epidemia de idiotice de que se tem registro. Anos depois de Cristo, claro. Antes, nenhum idiota foi capaz de contabilizá-los.
Diante desse devastador cenário, os homens das Ciências Humanas, com suas bibliotecas abarrotadas, só serviram para apontar o problema. "Há muitos idiotas no mundo", concluíram, após longos estudos quantitativos e qualitativos. Porém, as metodologias utilizadas não levaram a soluções práticas.
Então, um dirigente eleito em um pleito confuso, repleto de regras idiotas, teve a ideia de emoldurar suas fronteiras, para impedir a chegada de idiotas vindos de fora de seus domínios. Foi assim que se construiu um muro. A metade do problema foi resolvida. Não foi possível eliminar a chaga por inteiro porque os que ergueram a muralha também eram completos idiotas: acabaram por ficar ilhados.
Por essa, ninguém esperava.
Mas não é simples conter o ímpeto dos idiotas. Mesmo com essa suntuosa medida de engenharia, só comparada às extintas pirâmides, alguns estrangeiros conseguiam adentrar à terra prometida. Optaram por invadir o espaço aéreo, onde ainda não havia barreiras. Ao desembarcar, eram cooptados à força por policiais, que questionavam a razão daquilo. A justificativa: fugir da idiotice. Acreditavam que, naquela ilha, estariam a salvos dos seus conterrâneos idiotas.
Quem propagou isso foi a Indústria do Sonho, que detinha alta tecnologia e suporte, interligando idiotas sem fronteiras. Com a epidemia avassaladora, a tal indústria se tornou uma das culpadas e teve de parar suas máquinas, para que essas ideias não mais fossem disseminadas. Os idiotas estão sempre preocupados com o bem-estar dos demais.
Acontece que a comunicação se tornou precária. Sem máquinas e sem tecnologia, a nova língua dos idiotas se resumia a "sim" e "não", somente. Esse fato gerou desconfortos diários. Pois quem afirmava sim diante de uma medida discordava de quem dizia o oposto. E não havia maneira de conciliar os idiotas, agora separados em dois grupos. O jeito mais fácil de resolver as coisas eram os embates físicos ou a desistência de uma das correntes.
Os serviços dos idiotas, como hospitais, escolas, plantações, segurança, ficavam paralisados por longos períodos, devido a esses conflitos. Os mais velhos, ou idiotas há mais tempo, até poderiam contribuir para uma solução, afinal, tinham um vocabulário amplo, considerado antigo, mas eram preguiçosos e temerosos.
Restou a Natureza. Ela resistia aos idiotas com caos e selvageria. Só assim que sabia responder aos acontecimentos. Contudo, como era de se esperar, os idiotas não compreenderam os sinais. E seguiram em marcha, destruindo os dias com a corriqueira idiotice do “sim” versus “não”.
O mundo era mesmo dos idiotas. Nem a Natureza tinha força para detê-los.
Sem ter pra onde ir, sem sombra pra descansar, um homem sem importância divagava sobre isso. Refletia sobre a peste em uma sorveteria. Tinha receio de que eles acabassem com tudo. Imaginou que, a qualquer momento, assistiria ao fim. Todavia, se isso acontecesse, seria idiota demais e a vida não teria sentido algum. Que bobagem! Ele era tão tolo quanto os demais. Riu da sua conclusão, enquanto o gelado do sorvete de morango percorria seu esôfago.
Fazia frio. E ele não entendia o motivo de a sorveteria seguir funcionando naquele tenebroso inverno, que, na verdade, era verão. Tremenda idiotice!, pensou consigo mesmo.
Lucas Barroso
Jornalista e escritor, autor de "Virose" (2013), "Um Silêncio Avassalador" (2016), "Um Gato Que Se Chamava Rex" (2018) e "O Tempo Já Não Importa" (2020).