Alguns tipos brasileiros que surgiram (ou só ficaram mais em evidência) com as marchas de junho no país:
O incoerente de internet: apoia os manifestantes que portam cartazes com o dizer “Saímos do Facebook”, mas publica praticamente um comentário por hora sobre os protestos, em seu perfil na rede.
O incoerente de passeata: brada contra o governo pedindo “passe livre” em ônibus, o que só poderia existir sob completa intervenção estatal no setor, com mais dinheiro de impostos – ou seja, mais governo.
O manifestante exaltado: criado por apresentadores de telejornais brasileiros, em substituição ao indivíduo que, tempos atrás, conhecíamos por “vândalo”, mesmo. O caráter politicamente correto do atual momento da humanidade contribuiu para o surgimento do personagem.
O paranoico de direita: sua função é defender a tese de que o objetivo por trás das passeatas, inicialmente estimuladas por partidos de extrema esquerda, é criar uma convulsão social que desestabilizaria a elite política e permitiria a tomada do poder por parte desses partidos.
O paranoico de esquerda: sua função é defender a tese de que o objetivo por trás das passeatas é criar uma convulsão social que permitiria a volta dos militares ao poder, do jeito que azelite quer. Isso porque, nas ruas, alguns integrantes levavam cartazes com a frase “O gigante acordou”, a mesma utilizada 50 anos atrás por manifestantes da Marcha da Família com Deus pela Liberdade (não se sabe se foram muitos cartazes na época, mas certamente não é só coincidência!).
O cabulador das aulas de História: aquele que, nos primeiros dias de revolta, buscou justificar as depredações e a arruaça de parte dos manifestantes com a publicação no Facebook de uma foto da queda do Muro de Berlim. O cabulador das aulas de História não sabe que o contexto de 1989 na Alemanha era completamente diferente do de 2013 no Brasil, que o mundo não vive mais uma “guerra fria”, da qual o muro foi a maior representação, e que na noite de 9 de novembro de 1989 os “berlinenses-orientais” foram às ruas mais para comemorar a permissão, conquistada após pressionarem o governo, para cruzar livremente a fronteira para o lado ocidental, do que exatamente para “destruir” o muro, cuja existência de qualquer modo não fazia mais sentido. As placas grandes de concreto foram removidas dias depois, com escavadeiras, não com as picaretadas e marretadas que cidadãos, simbolicamente, deram (reportagens da época aqui e aqui). O cabulador das aulas de História também não sabe que os “berlinenses-orientais” saíram às ruas naquele novembro por estarem fartos de quase 30 anos de repressão, de não poderem ir e vir, de terem famílias divididas etc., e que os paulistas saíram às ruas em 13 de junho de 2013 por bem outras razões – e que os depredadores dentre esses, motivados por ideologia, atacaram patrimônio público e privado, não um símbolo político de opressão. O cabulador das aulas de História adora fazer comparações sem cabimento.
A Globo: a que não costuma dar espaço às reivindicações dos manifestantes, mesmo tendo dedicado dois de seus programas jornalísticos ao fato e tendo, no dia 20/6, coberto ao vivo os protestos por mais de três horas, no que deixou de exibir duas telenovelas, produto dos mais rentáveis de seu catálogo.
O tuiteiro orgulhoso: não apenas discorda da, por ele assim chamada, “mídia tradicional”. Também acredita que essa não deveria existir, cedendo lugar à “blogosfera” e às redes sociais.
O jovem brasileiro versão 2013: não sabe muito bem o que está fazendo, não entende muito de política, de como funciona uma democracia, mas se orgulha de estar a tomar parte em um momento histórico. E quem o critica é imediatamente considerado um...
...Reaça: antagonista criado pelo jovem brasileiro versão 2013. Pode ser apenas um cético, um analista distanciado, um provocador intelectual, mas não importa: se não compartilha do mesmo pensamento do jovem brasileiro versão 2013, é reaça, além de chato, feio e bobo. Assim não brinco mais.
O brasileiro típico: vai às ruas protestar contra a falta de ética na política, mas falsifica carteira de estudante para pagar meia-entrada, usa telefone do escritório para ligação pessoal, compra DVD pirata, mente no currículo, pega “carona” na rede wireless do vizinho e dá um dinheirinho ao policial para que ele o livre de uma multa de trânsito.
Lucas Colombo
Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).