“A Rede Social”, longa sobre a criação do Facebook, dirigido por David Fincher, é aquilo que chamo “filme ok”. A fotografia é apurada, a montagem rápida (feito a internet) compensa a história juvenil e Mark Zuckerberg não é apresentado de forma unilateral, apenas como “gênio da informática”, como “traiçoeiro” ou como “nerd carente”, com Jesse Einsenberg explorando muito bem os entretons do personagem. A temática, é claro, toca na sensibilidade contemporânea, mas o filme está longe de ser original ou ir fundo em alguma questão. O mote “você não ganha milhares de amigos sem fazer inimigos”, convenhamos, é menos denso do que parece (ou todos os nossos contatos no Facebook são amigos?), e a sugestão romântica de que, em meio à consagração do seu invento e dos bilhões que rendeu, o que Zuckerberg mais queria, no-fundo-no-fundo, era o carinho da ex-namorada é um resvalo no simplismo. Que resenhistas brasileiros tenham comparado o enredo a uma tragédia grega e se referido a Zuckerberg como “mito” é um visível exagero. Sinceramente, nenhum diálogo ou cena me ficou na memória. Hollywood anda fraca.
Não é o que ocorre com “Maridos e Esposas”, um ótimo Woody Allen que vi há pouco em DVD. É, injustamente, dos seus filmes menos comentados, obscurecido que foi no lançamento, em 1992, pela fofocaiada sobre a separação de Woody e Mia Farrow, intérpretes do casal protagonista em crise. A “crítica” da época, presumivelmente, foi pelo caminho fácil do “a arte retrata a vida”, usando a produção apenas como gancho para tratar do escândalo envolvendo os atores. Quem, porém, se concentrar na obra, o que de fato interessa, perceberá ser esta uma das melhores do diretor americano. O registro de Woody é como o de um vídeo caseiro, desleixado de propósito nos cortes e na iluminação, e com uma câmera na mão, íntima, próxima dos atores e mostrando as divisórias da casa, com o que busca de fato jogar o espectador “para dentro” das situações de conflitos daqueles personagens. A coadjuvante Judy Davis, indicada ao Oscar, oferece grande atuação como a amiga que, depois de 20 anos com Sidney Pollack, anuncia separação e faz Mia e Woody começarem a questionar o casamento aparentemente perfeito que mantêm. Há cenas divertidas, como a de Pollack empurrando a nova namorada, jovem e superficial, para dentro do carro, depois de ela tentar convencer os amigos intelectuais dele de que astrologia é assunto sério. Mas o longa está entre os dramas de Woody, um admirador de Bergman que tentou emular o estilo do mestre sueco, sem sucesso, em trabalhos como “Setembro” e “Interiores”. Em “Maridos e Esposas” também: a inspiração em “Cenas de um casamento”, que Bergman filmou em 1973, é evidente. O resultado, porém, é melhor que os anteriores. Vamos conhecendo mais a fundo os personagens a cada diálogo - nos brindam com frases como “Meu marido não é romântico, ele me dá utensílios no aniversário” e “A vida não imita a arte, imita programas de TV ruins” - e a cada depoimento que dão a um entrevistador invisível, como num documentário, falando diretamente para a câmera (recurso comum em Woody) o que têm vivenciado. Elementos woodyalleanos recorrentes estão lá: psicanálise, dificuldades de relacionamento, embate entre fé e razão. Mas sem cansar. Aqui, sim, temos texto afiado, cenas memoráveis e uma investigação instigante sobre a vida conjugal. Um filme adulto, enfim. Peçam nas locadoras.
Um parêntese literário: curioso que, horas depois de assistir ao filme, reli “Call if you need me” (disponível aqui), conto de Raymond Carver, um dos maiores escritores americanos do século 20 – aliás, já adaptado ao cinema, por Robert Altman. É um primor de concisão e limpidez. E a história, de um casal tentando consertar um casamento de anos depois de traições de ambas as partes, num cenário de paisagens bucólicas que contrasta com seus sentimentos e pensamentos, guarda pontos em comum com a de “Maridos e Esposas”.
Dois grandes, um do cinema e outro da literatura, a colocar lupa sobre situações e conflitos corriqueiros, para que percebamos suas nuanças.
As nuanças da condição humana foram bem expostas na tela também por Claude Chabrol, morto em 2010. Em “Um Assunto de Mulheres”, de 1988, tratou com maestria das decisões e condutas duvidosas decorrentes da ignorância, auxiliado pela fabulosa Isabelle Huppert, a transmitir toda a ambivalência de sua personagem. Não se fazem mais cineastas como antigamente.
Dos indicados ao Oscar 2011, vi ainda “Inverno da Alma”, tipo de filme que os críticos gostam de exaltar por mostrar ‘crueza’ e tentar um clima melancólico, mas que faz perguntar “para que tudo isso?” quando termina. Assisti também ao grande vencedor “O Discurso do Rei”, produção digna, mas esquecível, pela abordagem superficial. E a “Minhas Mães e Meu Pai” (tradução besta para “The Kids are all Right”), com suas cenas de sexo engraçadas, personagens estereotipados e história previsível com final edificante. No Brasil, daria uma boa novela das 7.
A propósito de Oscar, já perceberam que quase ninguém mais fala sobre “Avatar”? Hype é isso. E houve quem protestasse contra a premiação, no ano passado, de “The Hurt Locker”, muito mais satisfatório artisticamente. Prêmios não são atestado de qualidade, mas naquele caso houve acerto.
Words, words, words
É intrigante constatar como algumas palavras tiveram seus sentidos corrompidos. Hoje, qualquer um que faz um comentário espirituoso é chamado de “gênio”. E “elitista”, “intelectual” e “cético” são quase xingamentos.
Febeapá
O clichê “crítico é um artista frustrado” não resiste à informação de que, por exemplo, Marcel Proust e T.S. Elliot também foram críticos. E Machado de Assis, e Ezra Pound, e Bernard Shaw, e...
Alegre Fim
“Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; (...) usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani, como língua oficial e nacional do povo brasileiro.
(...) a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática.
Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, (...) é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação dos povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores de organização filosófica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal – controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica.”
Esses são trechos de “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, obra-prima de Lima Barreto, criador de um personagem tão marcante (tão quixotescamente patriota) que parece sempre exercer influência. Como sugere a lei recentemente aprovada proposta pelo deputado Raul Carrion, do PCdoB aqui do estado mais politizado do Brasil, ao determinar que, em documentos oficiais e na comunicação social, palavras e expressões estrangeiras sejam traduzidas para o português, quando houver equivalentes no idioma. Nenhuma língua, ainda mais nesses tempos de globalização, vive isolada; mesmo o “idioma imperialista” inglês carrega termos originários, por exemplo, do francês (“fiancée”), do alemão (“frankfurter”) e até do português/espanhol (“padre”). Mas talvez não saiba disso o deputado – ele que já propôs, entre outras coisas bastante relevantes, o Dia Estadual do Líder (“leader”?) Comunitário e a Semana Estadual do Hip-Hop no RS, além de usar o twitter, receber e-mails e, aparentemente, adorar um jogo de foot-ball.