Já ouvi escritores com livros em adaptação para o cinema, como Daniel Galera e Luiz Ruffato, declararem (com todo o direito, bom dizer antes que os tomates venham) que preferem não acompanhar o processo, pois se trata de outra criação, a do diretor, e este tem liberdade de fazer o que quiser com a história. Por mais simpático que seja tal pensamento, contudo, nem sempre é razoável, para crítica e público, segui-lo. É importante, a quem vai avaliar o filme depois, que leve em conta se o universo e o estilo do texto literário adaptado foram respeitados. O roteirista e o diretor não os mudam da maneira que bem entendem, não. Afinal, não estão criando do nada; partem de uma obra já existente. Não precisam ser absolutamente fiéis a ela, precisam ser honestos. E de honestidade intelectual, todos gostam ou deveriam gostar – inclusive, escritores.
Outro “comentário” que já escutei de algumas bocas: “Ai, não gosto do Manhattan Connection; eles ficam lá nos Estados Unidos falando mal do Brasil. Por que não vêm morar aqui, então?”. De imediato, encontro cinco problemas. 1) desconhecimento do valor da liberdade de expressão. Os integrantes do MC podem emitir a opinião que quiserem, no lugar em que quiserem. EUA, onde o programa é produzido, e Brasil, aonde é transmitido, são democracias. 2) desconhecimento do programa. Telespectadores frequentes sabem que o MC não só “fala mal do Brasil”. As pautas são várias e, geralmente, muito bem trabalhadas, com enfoque amplo. 3) O que é “falar mal do Brasil”? Criticar é uma coisa, pegar no pé, outra. E o que o programa faz, muitas vezes, é criticar, com bastante fundamento. O público, naturalmente, pode concordar ou não. 4) É até bom que Caio Blinder e Diogo Mainardi, por exemplo, tenham postura crítica quanto ao que ocorre no Brasil. Visões “de fora” são bem-vindas. Moradores do exterior têm, muitas vezes, capacidade de fazer observações distanciadas, sem contaminarem-se pela passionalidade local, e essas podem nos ajudar a amadurecer. 5) Suponhamos que, realmente, a equipe do MC despreze o Brasil. Então, por que teriam vontade de morar num lugar de que não gostam? Falta lógica, também, nessa noção.
Cientista política Celi Pinto, da UFRGS, identificou, para reportagem do jornal Zero Hora, três ondas no movimento feminista: a luta pelo direito ao voto, nos anos 1930; a luta por direitos iguais na sexualidade e no trabalho, nos anos 1970; e “a terceira seria a atual, por uma militância mais atuante na internet e pelo protagonismo jovem”. Mas... essa militância luta por que causa? A cientista política não explicou, e o jornal também não complementou, talvez porque não exista o que complementar. Grupos de hoje como Femen, Marcha das Vadias e “putinhas aborteiras” não fazem outra coisa que não chocar, simplesmente, numa postura quase constrangedora de tão adolescente. A ativista Nana Queiroz, da campanha “Não mereço ser estuprada” (de boa intenção inicial), afirmou que “não dá para dialogar com forças conservadoras, tem que enfrentar. Ah, acham que sou vadia? Então sou vadia”. Isso, porém, não é enfrentar; é jogar o jogo do adversário. Não há convencimento do contrário, mas complacência (involuntária) disfarçada de protesto. Já Maria Fernanda Salaverry, coordenadora da Marcha das Vadias porto-alegrense, acredita que “o choque sistemático deixa de fazer efeito” e que o objetivo do feminismo atual passará da mera provocação para “algo mais maduro, articulado e propositivo”. Ufa, enfim uma voz mais ponderada. Esperemos que se confirme o que ela projeta.
Pululam por aí, também, críticas ao “desencanto” que parece ganhar cada vez mais terreno no Brasil. Já eu o acho super bem-vindo. Sou otimista com o pessimismo. O Brasil andava muito embriagado de si mesmo. Passar por uma fase como a atual é importante para amadurecer. Disse, aliás, um cético exemplar, Millôr: “Olhaí, se querem que eu seja patriota, melhorem essa pátria!”
É uma tristeza perceber que a expressãozinha boboca “só que não” transbordou da internet para os jornais e as revistas. Nos anos 1990, Paulo Francis já alertava para o “rastejamento ao pop” existente na imprensa. De lá para cá, a situação só piorou. Alguém pode sofismar: “ai, O Pasquim também adotava gírias e todo mundo achava o máximo”. O Pasquim, no entanto, tinha a proposta de arejar o jornalismo brasileiro. Valia-se de uma linguagem mais informal – não informalóide – e espirituosa com uma intenção forte por trás. E o fazia com inteligência e com estofo intelectual. Eis a grande diferença.