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    *Para o Especial Eleições 2010

    Meu caro,


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    Tudo bem? I hope so. A mensagem tardou mais do que gostaria. Comuniquei-me pela última vez com você há pouco mais de um ano, quando falei de minha nova paixão (platônica). Pois é. Sabemos, porém, que para ser amigo não é preciso estar em contato toda hora. Damo-nos muito bem, compartilhamos ideias e experiências, sintonizamos em boa parte das opiniões, e isso já nos aproxima. Há pessoas com que falamos todo dia e com que não temos nada a ver.

    Por aqui, vou “no devagar depressa dos tempos” – para citar Rosa –, num cotidiano cada vez mais prazeroso de Mínimo Múltiplo, debates e bate-papos na livrariaaulas e outros projetos. Mas essas atividades, nesses últimos meses, como você bem acompanha aí de fora, têm sido realizadas em meio a um processo importante para o país onde nasci e moro (e onde você ‘só’ nasceu): o das eleições deste ano. É, escrevo para falar de política, e da política aqui de Pindorama, ainda por cima. Se na última correspondência eu evitei abordar o tema, nesta é inevitável.

    Inevitável especialmente porque acompanho os fatos (ou a ausência deles) ligados à campanha eleitoral com o ceticismo de sempre (confundido com desdém por tantos...), e o que vejo não é nada senão uma pasmaceira. Para quem já viveu outras eleições, a impressão é essa, mesmo: eleitores pouco interessados, pouco entusiasmados. Afora entre gente do meu círculo de amizades, não presenciei nenhuma rodinha de discussão sobre as campanhas. A apatia parece geral por aqui. A cultura nacional, você sabe, é a do conformismo e do imediatismo, e o que tenho observado nesse período é, justamente, o olhar do brasileiro se dirigindo só ao hoje. Parece haver um contentamento com o atual estado de coisas, como se estivéssemos com todos os problemas resolvidos, e pouco ou nenhum pensamento voltado ao amanhã. Num domingo desses, mesmo, Lucas Mendes comentou no Manhattan Connection que “eleições no Brasil perderam a graça...”. Um cínico poderia dizer que, com todos os candidatos-palhaços que surgem no horário eleitoral, graça é o que não falta. Mas perdeu a graça no sentido de ficar xarope, previsível, plano, morno. Não estranhe tantos adjetivos, amigo: eles se justificam. O pleito deste ano encaminha-se melancolicamente para um desfecho no primeiro turno, sem grandes discussões terem sido travadas, sem projetos de país terem sido debatidos.

    Sim, pois o que os candidatos a presidente têm apresentado aos eleitores? Programinhas. Criação de não-sei-quantas casas populares aqui, aumento no número de professores por turma na escola acolá, nota fiscal brasileira, postos de saúde. Onde estão as visões de país? Onde está a consciência das nossas limitações, das nossas carências, do nosso atraso? Como escrevi numa coluna recente, em que novamente analisei o atual governo, a noção quase geral de que o Brasil tem melhorado enormemente é fake. Embora com os avanços econômicos e sociais dos últimos 16 anos, estamos longe de viver num éden. E para se dar conta disso é só sair às ruas e ler os jornais (a “mídia golpista”, como diz quem acha que imprensa boa é imprensa a favor). Pelo que ouvimos, contudo, parece que o Brasil está às portas do paraíso. Não concorda comigo que o pensamento depreendido dos discursos dos candidatos parece ser o do “está tudo indo bem com o Brasil, só precisamos fazer uns remendinhos para sermos felizes para sempre”? São feito Pollyannas da política. Não é possível saber como eles imaginam o Brasil daqui a 20 anos. Discussões sobre as reformas de que o país realmente precisa para ir para frente – tributária, previdenciária, trabalhista, do estado – e das enormes deficiências em educação e infraestrutura, por exemplo, são escassas e insuficientes.

    Veja José Serra. O candidato da oposição que não fez oposição – no sentido de propor alternativas e apontar, com energia, erros do governo – não consegue recuperar o tempo perdido e apenas promete (ou “anuncia”, conforme diz) coisas como salário mínimo de 600 reais e quilômetros de metrô, sem explicar claramente de onde sairá o dinheiro. Ou investe na crítica à corrupção que rolou solta nesse governo, mas que não foi suficiente, pelo senso comum brasileiro de que “político é tudo igual”, para subtrair-lhe popularidade. Defesa incisiva de reformas, não há. E Dilma Rousseff, a candidata inventada pelo presidente que se considera acima de críticas e, demagogicamente, sustenta que “a opinião pública somos nós”, afirma que... afirma que... o que ela afirma, mesmo? Difícil saber, meu caro. Dilma – ao que tudo indica, nossa futura presidente – é uma incógnita. Só repete frases ensinadas pelos marqueteiros ou por Lula, segurando-se no discurso do continuísmo. Deve ser por isso que não articula bem suas ideias em entrevistas e debates: porque não as tem próprias. E é nesse lamentável cenário, diante dessa aridez toda, que iremos (teremos de ir) às urnas, “como quem caminha para cumprir uma obrigação desagradável; (...) como quem precisa fazer a visita anual ao dentista, só que sem esperança de passar o incômodo” – palavras do Daniel Piza, indo ao ponto certo, como sempre, na sua última coluna.

    Com candidatos assim, é de se esperar que o povo fique meio distante e vote de olho apenas no contexto imediato – você pode pensar. Mas aí mesmo é que deveria haver ebulição. Os políticos de um país não deixam de ser, em parte, reflexos da própria população que representam, e o brasileiro é pouco exigente. A meu ver, a tendência à continuidade, registrada nas pesquisas, não é indício de que o “povão”, nos últimos tempos, tenha simplesmente sido “anestesiado” com a possibilidade de adquirir bens de consumo a prestações, como gostam de dizer alguns apressados. É algo maior do que isso. É cultural. É a tradição brasileira do “deixar como está pra ver como é que fica”, para citar o Millôr (estou citando todo mundo hoje). E mudança de mentalidade só ocorre com informação e conscientização. Com debate, com questionamento – tudo que sabemos raro nessa terra. E ver que nem em período eleitoral questões são trazidas à discussão é desolador.

    Falta ao país pensamento de médio e longo prazo, falta organização, falta consciência de que sucesso demanda esforço, estudo, preparo, e que não é somente uma questão de “embalo” (e viva a rima). O fato de o Brasil estar passando por um momento de (relativa) exuberância econômica não significa que a situação ficará assim para sempre. O senso comum, no entanto, é outro. Lembra quando comentamos, numa conversa, que brasileiro é incorrigivelmente otimista? Pois há poucos dias saiu pesquisa dando conta de que os brasileiros só perdem para os chineses em matéria de otimismo com a economia de seu país (“Todo otimista é um mal informado”, dizia outro grande sujeito, o Francis), e 25% acreditam que já somos uma potência. Você leu bem: uma potência. Pesquisas também já deram conta (e eu já ouvi inúmeras conversas do tipo) de que brasileiro decide voto por meio de suas relações interpessoais, de seus amigos e familiares. Em vez de refletir sobre as propostas dos candidatos ou ler o que a imprensa publica sobre eles, pergunta a seus próximos em quem eles votarão, e vai na carona. Então, realmente fica difícil (mas não impossível).

    O tédio que emana dessa eleição é grande, porém não surpreendente. Quase escrevi que você, por estar longe dessa não-confusão, poderia considerar esta mensagem por demais pessimista. Mas eu estaria sendo limitado com você, que, além disso, me conhece bem para saber que não sou pessimista nem otimista, tento ser realista (impossível não rimar). E se o brasileiro tem sentido “bem-estar”, por isso mesmo que deveria ser mais atento e exigente. Por isso que deveria desconfiar mais, discernir mais, fugir do oba-oba. A economia avançou, mas o espírito nacional, não. Aqui, o trabalho de estimular discussões nunca termina. Continuemos fazendo nossa parte.

    Depois do dia 3, conversamos mais. Um beijo na Fê.

    Lucas


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    lucas colombo assinaturaLucas Colombo

    Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).


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