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    Apenas um sonho


    Meu caro,

    Como vai a vida por aí? Long time no see. Deveria escrever mais, bem sei, mas ainda não adquiri a capacidade sobre-humana de fazer o tempo esticar. E dizer que não se escreve por falta de tempo é um baita clichê. Enfim, cá estou. Em Pindorama, uns dias chove, noutros bate sol, como naquela canção do Chico Buarque e do Francis Hime (ah, você pensou que eu poria “genial” antes de “Chico Buarque”, né? Mas não. Acho ridícula essa sacralização dele). E a coisa aqui também “tá preta”, com muito Sarney, muitos abraços de Lula em Collor, muito patrimonialismo, muita leniência – o repertório brasileiro conhecido. Não quero falar de política hoje, porém. Escrevo-te, principalmente, para revelar algo que meus outros amigos do peito já sabem: tenho um novo amor!

    É, tenho. Não, não se trata daquela mulher que você viu em minha companhia meses atrás (nem da amiga que ela apresentou). Meu novo amor mora longe, é comprometida e nem sabe que existo. Ei, que cara de estranhamento é essa? Não pode? Um amor platônico, de vez em quando, assim... Ainda mais por ser ela atriz de cinema, e consagrada. Sei que enamorar-se por uma atriz de cinema não é atitude exatamente ‘original’ – em décadas passadas, mulheres como Rita Hayworth, Greta Garbo, Marlene Dietrich e Sophia Loren encantaram plateias masculinas mundo afora. Permito-me, no entanto, ceder a tal comportamento chavão em pleno século 21 e ficar também apaixonado por uma atriz das telas. Tenho antipatia a lugares-comuns, mas foi maior do que eu, acredite!


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    Você deve estar querendo largar esta missiva (bela palavra), deve estar dando risada e dizendo “tresloucado amigo! Certo perdeste o senso”, como naquele famoso poema parnasiano. Mas, se leu até agora, leia mais um pouco e deixe-me, enfim, revelar quem, e por quê, é minha nova paixão.

    Kate Winslet. Ela. A atriz inglesa, ganhadora do Oscar e do Globo de Ouro deste ano. Minha nova musa. E você bem sabe que já tenho algumas – Billie Holiday me seduz sempre, Norah Jones é uma gracinha, Liv Ullmann me fascina nos filmes de Bergman... (sem falar em personagens literárias... mas atenhamo-nos ao mundo real). Kate é a mais recente “mulher da minha vida”. Ela é uma atriz incrível. Há poucas como Kate atualmente, belas e talentosas. Assisti aos dois filmes pelos quais ela recebeu prêmios neste ano, “Foi Apenas um Sonho” e “O Leitor”, e a admiração que eu já nutria por ela, em razão de trabalhos anteriores, se intensificou. Já os viu? Nenhum desses filmes é inesquecível – mas a presença dela, em ambos, o é.

    Tomemos “Foi Apenas um Sonho” primeiro. No filme de Sam Mendes, ambientado em Connecticut, nos anos 1950, ela faz uma dona-de-casa da suburbia americana, esposa de um sujeito acomodado (que não se percebe como tal) e atriz frustrada. Sentindo-se limitada por sua vidinha, a personagem convence o marido – de modo superficial, como se vê depois – a mudar-se para Paris, onde, crê ingenuamente, poderiam reavivar os antigos projetos pessoais e profissionais que traçaram quando se conheceram. O longa, como disse, não é inesquecível; é daqueles que “merecem ser vistos”, pelo texto contundente e por não fazer muitas concessões, embora o roteiro carregue alguns incômodos (será que aquela decisão final era a única possível para a mulher? Pela natureza dela, não foi uma “forçação” de barra?...). “Foi Apenas um Sonho”, porém, é Kate Winslet. Impossível não prestar atenção nela durante todos os 120 minutos. Sua atuação é comedida, grave. Ela fala devagar e baixo, com o que sugere realmente uma ‘sufocação’, um tolhimento por aquela vida provinciana que leva. A expressão dela, na cena em que o homem desequilibrado diz umas verdades ao casal, é impressionante: só pelo seu rosto, pelo seu olhar, captamos tudo o que está se passando na cabeça de sua personagem, a insatisfação, o dilema que atravessa. Apenas uma atriz superlativa como Kate consegue transmitir um estado de espírito tão fielmente. Tenho ou não razão por estar apaixonado?

    Entretanto, há ainda “O Leitor”. Produção acima da média, diga-se, mas igualmente difícil de inserir na categoria “filmes essenciais”. Stephen Daldry, no geral, cuida bem da direção, é delicado com a história, mas, de novo, Kate é o elemento que mais desperta admiração. Com sotaque britânico acentuado, ela interpreta, na Berlim da segunda metade do século, uma alemã balzaquiana, por quem um garoto de 15 anos se apaixona e com quem tem sua iniciação sexual. Em troca, ele lê clássicos da literatura – Homero, TchecovKafka, Pasternak... – para ela. Só mais tarde somos informados de que a mulher foi, no passado, guarda de um campo de concentração nazista e que nada fez para evitar a morte de centenas de mulheres e crianças judias num incêndio. A questão, então, se apresenta: como alguém sensível esteticamente, amante de livros, pôde ter participado de tamanha crueldade? Estava apenas “cumprindo ordens” – desculpa que muitos indivíduos a serviço de regimes autoritários costumam dar – ou a explicação é mais complexa do que essa? É, sim, mais complexa, e Kate mostra toda a dubiedade da personagem, toda a sua dimensão: ela é, ao mesmo tempo, sensível e dura, sensual e abrutalhada, comovente e desprezível. O relacionamento com o menino é envolvente (embora ela não precisasse chamá-lo “kid” o tempo todo, como se o diretor não achasse a própria imagem do garoto o bastante para sabermos disso), e é interessante aquela montagem rápida, à meia-hora de filme, de várias cenas em que o guri lê livros diversos para ela: Kate chora, ri, surpreende-se, sem deixar a dureza da alemã de lado. Isso se chama ambivalência. Acho que você está parando de rir de mim.

    A inteligência de Kate como atriz a faz sempre variar os personagens e participar de filmes que tenham algo a dizer (não, nada de “Titanic”, pelamordedeus). No “Razão e Sensibilidade”, do Ang Lee, comunica toda a aflição de sua personagem – e eu lembro até hoje a cena em que ela recita um soneto de Shakespeare, à chuva, enquanto vê de longe a casa de seu ex-pretendente... No “Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças”, direção do Michel Gondry com roteiro do Charlie Kaufman, compõe uma perfeita ‘maluquinha’. E em “Pecados Íntimos”? O filme também não é lá grande coisa, mas... que atuação a dela! Kate convence muito bem como uma suburbana imatura e entediada. Você nota, ela é uma mulher bonita, elegante, mas fica sem graça, pouco atraente, no filme. Já em “O Leitor” ela está linda. Sim, Kate aparece nua várias vezes, e está linda... Veja: ‘linda’, ‘maluquinha’, ‘sem graça’... não há papel que Kate não consiga fazer. Sabe ser bonita, feia, séria, engraçada, infantil, madura... Versatilidade é uma das qualidades mais esperadas em um ator, e ela a tem de sobra. Cada personagem, faz de um jeito diferente. Despe-se de seus trejeitos para assumir unicamente os do papel. Isso se chama competência. Aham, você já parou.

    Em tempos de culto às celebridades, de personalidades muito bonitas “por fora” mas que, “por dentro”, revelam-se vazias vazias, é um alento saber que Kate existe. Uma mulher inteligente, sensível e bela. Uma atriz densa feito poucas. É apaixonante, de fato. Vejo-a na tela e, como naquela outra canção, do Edu Lobo, de letra dedicada justamente a uma atriz, digo a mim mesmo: “ah, se eu pudesse entrar na sua vida”... Mas isso, que pena, é apenas um sonho. E um trocadilho barato.

    Prometo que a próxima mensagem não tardará. Grande abraço,

    Lucas

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    Estudantes de jornalismo às vezes me dão uma agonia... Dia desses, conversei com um, em início de curso, que me falou: “Escolhi fazer jornalismo por causa da RBS. Eu morava em outro estado e, sempre que vinha ao Rio Grande do Sul, ficava fascinado com o Jornal do Almoço. É inesquecível”. Realmente, quem assiste ao JA não esquece jamais – de tão insosso e piegas que é.

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