[Leia também a Parte 1: História]
Além de Edmund Burke e Thomas Paine, já abordados na coluna anterior, também os seguintes autores fundamentam as concepções de direita e esquerda:
- Direita
- Adam Smith (1723-1790)
Filósofo e economista britânico que escreveu A Riqueza das Nações (1776), livro central do liberalismo econômico. Segundo ele, a lei da oferta e da procura é a “mão invisível” que dirige a economia e traz naturalmente a prosperidade. O mercado deve ser livre, sem ingerência do Estado, e funcionaria bem assim porque o ser humano, ao defender seu interesse privado, colabora para a defesa do interesse coletivo. Quanto mais rico um empresário fica, mais empregos e, por consequência, mais renda ele gera para outras pessoas. Ou seja: se um indivíduo lucra, todos lucram.
- Ayn Rand (1905-1982)
Escritora, dramaturga e pensadora russo-americana. Defensora ferrenha da prevalência do individual perante as pressões do coletivo (“Repudio o monstro ‘Nós’, palavra que significa servidão, pilhagem, infelicidade...”), divulgava ideias liberais por meio de obras de ficção (em suma, fazia literatura panfletária capitalista, algo raro). A mais conhecida é A Revolta de Atlas (1957), romance distópico embebido na filosofia que Ayn desenvolveu, o Objetivismo, conforme a qual os rumos de uma sociedade são determinados mais pela busca dos objetivos pessoais de cada indivíduo do que por grandes projetos ou ideais políticos. O egoísmo, assim, não é algo ruim: ajudando a si mesmo antes de ajudar os outros (não é outra coisa, por exemplo, o que se pede nos aviões, quanto a máscaras de oxigênio), o indivíduo atinge uma vida próspera que contribui para tudo ao redor melhorar também. A única obrigação moral de uma pessoa é consigo mesma. Ninguém deve ser obrigado a ajudar ou se sacrificar pelos outros, pois isso gera ressentimento. Também não deve ser rotulado ou impedido de se relacionar com quem quiser, nem de ingerir o que quiser.
- Ludwig von Mises (1881-1973)
Expoente da escola austríaca de economia, é o principal guru do “neoliberalismo”, subdivisão que propõe um Estado mínimo, limitado a três funções: justiça, segurança pública e defesa nacional. Previu o colapso do socialismo soviético, por ser insustentável a uma economia funcionar sem um sistema de preços, que comunica as necessidades dos consumidores, e por ser impossível a uma sociedade gerar riqueza e conforto sem o direito à propriedade privada.
- Friedrich Hayek (1899-1992)
Outro expoente da escola austríaca de economia (foi aluno de Ludwig von Mises), compreendia não ser possível existir liberdade pessoal e política sem liberdade econômica. Demonstrou que um poder indesejável do Estado sobre a economia inevitavelmente conduz a um poder sobre a vida dos cidadãos, ou seja, a governos autoritários. O Estado interventor é perigoso, pois, como Hayek diz no título de seu livro mais famoso, abre “o caminho da servidão”. É próprio de governos autoritários serem inchados. Democracias exigem Estados simples.
- Esquerda
- Karl Marx (1818-1883)
O filósofo alemão acreditava que patrões, movidos pela necessidade de lucrar, exploravam empregados ao dar-lhes um salário menor do que o valor do trabalho produzido, disparidade a que ele chamou mais-valia. Para resolver os males sociais, seria preciso distribuir renda (como se riqueza fosse algo finito, “duro”, que deve ser repartido e não que pode ser gerado) e tal função caberia ao Estado, na forma de coletivização dos meios de produção (ferramentas, máquinas) e fim da propriedade privada. Dizia que não se podia fazer a revolução em país subdesenvolvido, só naqueles onde o capitalismo atingiu o ápice. Esse sistema, então, ruiria e cederia lugar ao socialismo, cujo último patamar seria o comunismo, quando classes sociais e até o Estado deixariam de existir. Em seus textos, Marx também buscava descobrir quais interesses concretos estavam por trás dos discursos – daí o pendor da esquerda por sempre acusar seus críticos de estarem a serviço de algo (empresas privadas, por exemplo).
- Herbert Marcuse (1898-1979)
Também alemão, foi membro da Escola de Frankfurt, reunião dos teóricos mais importantes para a esquerda depois de Marx. Virou um dos “papas” intelectuais dos hippies da década de 60, ao tentar, em Eros e Civilização (1955), unir Marx a Freud: a mesma sociedade “burguesa” que oprime e explora os trabalhadores também reprime sentimentos, desejos e comportamentos, tornando as pessoas infelizes. Disso, a contracultura extraiu a necessidade de “se liberar das amarras morais” e ter um estilo de vida “alternativo”, hoje um cacoete do meio progressista. Foi Marcuse quem criou o slogan “Faça amor, não faça guerra”.
- Eduardo Galeano (1940-2015)
Escritor uruguaio, autor de As Veias Abertas da América Latina. O livro, cultuado pela esquerda abaixo da Linha do Equador, oferece a visão de que os EUA são o “imperialismo”, o inimigo número um da América Latina, porque exploram as riquezas dessa região já explorada anteriormente pelos colonizadores europeus. Para acabar com esse processo, seria preciso destruir os EUA economicamente - tese do ditador soviético Josef Stalin, dos anos 1950, abandonada pelos líderes que o sucederam. Meses antes de morrer, Galeano declarou que não releria o livro “chato” que, jovem e com pouca formação, escreveu.
*Na próxima coluna, mitos de esquerda e de direita - desfeitos.
Lucas Colombo
Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).