Millôr Fernandes comentou, em sua coluna na Veja de 4 de março, que a Sincronicidade, de Carl Gustav Jung (“aquele que vivia brigando com Freud, como duas tias velhas...”), é para ele apenas Ocasionalidade: “uma excepcionalidade excepcional, absolutamente impossível”. O Guru do Méier pensou nisso porque, no dia em que publicava uma nota sobre uma biografia de Vladimir Nabokov, encontrou entre seus livros o romance “Pnin”, do escritor russo, que não lembrava mais que tinha. Isto seria uma “coincidência de acontecimentos sem relação causal, mas de igual conteúdo significativo”, para o criador da psicologia analítica. Ou “conjunção de acontecimentos que nem mesmo a estatística que dá a Lula 84% de popularidade conseguiria”, para o criador do frescobol.
Millôr é meu filósofo preferido, mas este não é um texto sobre a discussão pertinente - sim, por que não? - que ele faz da teoria de Jung. Seja Sincronicidade ou Ocasionalidade, Jung ou Millôr, a questão é que algo parecido se deu comigo, e antes de eu ler a coluna do grande líder pasquiniano na Veja (“coincidências significativas” demais?). Estávamos eu e o Flávio conversando sobre poesia, e eu joguei o nome de Sylvia Plath na mesa. Aprecio bastante o trabalho da poetisa (feministas, revoltai-vos, por eu ter usado tal termo) americana, que considero bastante intenso, confessional, reflexivo, além de tecnicamente rigoroso. Sylvia é uma das melhores do século 20. No papo com Flávio, lembrei que havia assistido a um filme sobre a atribulada relação dela com Ted Hughes, o poeta inglês com quem foi casada. Chama-se “Sylvia”, é de 2003 e tem a canastrona Gwyneth Paltrow no papel-título. Pois um dia após esta conversa me deparei com o filme passando num canal da rede Telecine. Ocasionalidade?
Fascinado pela “conjunção de acontecimentos” (!), assisti de novo à boa parte dele, mesmo sabendo da trilha sonora insistente, da atuação de Gwyneth e da opção por enfatizar mais o relacionamento de Sylvia com Hughes do que a trajetória da autora. Não é um grande filme este de Christine Jeffs, mas vale como um convite à arte de Sylvia. E voltar a ela foi o que fiz, depois de subirem os créditos. Na esteira de toda essa sincronicidade (ou ocasionalidade, enfim), fui reler alguns poemas do célebre “Ariel”, o livro publicado dois anos depois de seu suicídio, em 1963. Hughes, responsável pelo lançamento na época, retirou da edição alguns poemas que julgara muito pessoais, e só em 2004, por obra de uma filha do casal, o público pôde conferir o livro completo, do jeito que Sylvia deixara. Esta edição restaurada ganhou tradução, aqui no Brasil, de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo, em 2007.
É “Ariel” que traz “O Olmo”, um dos poemas da americana que mais me impressionaram: “Sou habitada por um grito./ Toda noite ele voa/ À procura, com suas garras, de algo para amar./ Tenho medo dessa coisa escura/ Que dorme em mim;/ O dia todo sinto seu roçar suave e macio, sua maldade.” Os dramas pessoais de Sylvia foram a matéria-prima de sua obra, e isto se vê com clareza, por exemplo, em “Lady Lazarus”, cujos versos iniciais fazem referência a suas tentativas de suicídio: “Tentei outra vez./ Um ano em cada dez/ Eu dou um jeito”. O livro tem ainda o seu provavelmente mais conhecido poema, “Papai”, em que ela, traumatizada pela morte temporã do pai, caracteriza-o como um monstro nazista: “Com cola foram me refazer./ E então soube o que fazer./ Fiz um modelo de você,/ Um homem de preto com um quê de Meinkampf” (o verso final expressa toda a sua revolta: “Papai, papai, seu puto, eu acabei.”). É uma poesia de imagens fortes (“Nada a fazer com este lindo vazio a não ser poli-lo”, da primeira estrofe de “Amnésico”) e sempre de um tom depressivo, talvez exagerado, mas certamente poderoso. Não era o também sombrio e grande Iberê Camargo quem defendia que a arte não deve ser ‘palatável’?
Com histórico de desequilíbrios emocionais, perdas familiares e abandono pelo marido, Sylvia se matou aos 31 anos, em Londres. A sequência já é conhecida por muitos leitores: alta noite, ela tomou comprimidos, colocou a cabeça no forno e abriu o gás – não sem antes vedar bem a porta do quarto dos filhos e deixar pão e leite para eles. “Morrer é uma arte”, escreveu, também em “Lady Lazarus”. Numa das cenas do filme, Sylvia, em crise criativa, reclama para Hughes que não sabia sobre o quê poetar. Ele, então, afirma: “Você é seu tema”. E é bem isso: ler Sylvia Plath é como folhear um seu diário.
Na semana passada, enquanto preparava esta coluna, soube pela Folha de S.Paulo que Nicholas, o filho mais novo do casal, não resistiu à depressão e, como a mãe, suicidou-se em sua casa, nos EUA. Fiquei, obviamente, chocado com a notícia, mas não pude deixar de percebê-la como mais um elemento da sincronicidade (ou ocasionalidade..) envolvendo a poetisa em que me vi imerso. De qualquer modo, tal “conjunção de acontecimentos” me levou novamente a Sylvia Plath, e não se passa incólume de um encontro com ela. Sincronicidade ou Ocasionalidade, tudo isso foi muito interessante.
Quatro Perguntas
Não percam, no blog, um bate-papo com Sérgio Rodrigues, autor do romance “Elza, a Garota”, recentemente lançado. No livro, o jornalista e escritor recupera a história de Elvira Calônio, a menina que, sob acusação de delação, foi estrangulada a mando do Partido Comunista Brasileiro, em 1936. Além de falar sobre a nova obra, Sérgio trata, na conversa, também da pendenga "internet X jornais" e do saudoso site NoMínimo, do qual foi editor e colunista.
Excomunhão
O descompasso da Igreja Católica com o mundo atual é tamanho, que ela já está falando sozinha.
Aviso
Dos jornais: “Especialistas desaconselham Big Brother para as crianças”. Eu vou além: desaconselho também para adultos.
Lógica
Deixe-me ver se entendi: enquanto o Brasil foi de carona na bonança da economia mundial, o discurso era de que o crescimento do país, “nunca antes” registrado, era obra única e exclusiva de Lula. Agora que o caldo entornou lá fora e os números despencaram aqui, então a responsabilidade é toda deles, dos “brancos de olhos azuis”. É isso? Ok.
Lucas Colombo
Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).