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    Um pré-texto que não é um pretexto


    O editor me pede para entregar um texto hoje. Impreterivelmente, como manda o lugar-comum. Imagino-o todo magrão, aquela cara de gaúcho constrangido por ser obrigado a pedir um cacetinho na padaria, fazendo imitação de Nelson Rodrigues ou Ariano Suassuna (na verdade é uma imitação só), furioso diante do computador, apertando F5 sem parar, até o e-mail com meu texto cair em sua caixa-postal. Taí, cara. Tente não se decepcionar muito.

    Um texto que não é exatamente um texto, muito menos o texto que ele esperava ler e eu esperava escrever. Um texto que, me sussurra o superego aqui no ouvido, nada mais é do que uma reprodução mais aprimorada, elegante e extremamente bem-escrita de um lugar-comum: o texto sobre não ter ideia do que escrever. De Machado de Assis* a Fernando Sabino, passando por Rubem Braga e Sérgio Porto, todo mundo já escreveu sobre não ter o que escrever.

    Talvez seja um rito de passagem para todo cronista. Uma espécie de convite do Universo para se entrar nesse clube tão divertido. Talvez seja tão-somente o escritor (no caso, eu) se submetendo à rigidez de uma fórmula consagrada a fim de, nela, conquistar uma liberdade muito subjetiva, sempre à custa da paciência do leitor, coitado. E talvez, mais provável, seja só o cronista com uma terrível crise de criatividade nesse dia frio, chuvoso, cinza e arrastado de outono.


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    Ou, surpresa!, talvez o texto nem seja assim um texto, e sim um pré-texto (que em hipótese alguma é pretexto). Porque é assim que vejo as palavras que já encheram meia página: como uma mesa de antepasto num restaurante bom. Imagino o leitor entrando porque tive o cuidado de colocar uma recepcionista muito atraente (e, como o texto é meu, escolho quem quiser para essa função importantíssima. Vem cá, Giovanna Antonelli**), se servindo de um queijinho no primeiro parágrafo, um pãozinho com pasta de berinjela*** no segundo, um salaminho no terceiro. E assim por diante, até o ponto final.

    Que, na verdade, nem ponto-final é. Tenha isso em mente, querido leitor: quando você chegar ao fim deste texto, não significa que ele tenha terminado. De jeito nenhum! O ponto-final está ali só para disfarçar a trama macabra que escritor e editor confabularam ainda há pouco para chamar sua atenção, para ludibriá-lo e para fazê-lo afundar nos rochedos****. Creem eles, um tanto quanto ingenuamente, que você lerá o pré-texto e ficará tão intrigado que não terá alternativa a não ser voltar aqui semana que vem para descobrir do que se trata o Texto.

    Ouvi dizer (não espalha) que o Texto, também conhecido como pós-texto, falará de coisas interessantes, bem ao contrário do pré-texto que, aparentemente, não cansou de brincar com a ideia de não ter o que dizer. Lá no tal texto, ou melhor, Texto, haverá ainda contexto e, se calhar, até hipertexto. Por coincidência e para o bem da rima, se você reparar este parágrafo é o sexto. Ah, vai me dizer que você não sabia que eu era um poeta bissexto?

    Termino o pré-texto aqui ao lado da Giovanna Antonelli, convidando-o a abandonar a mesa de antepasto e, semana que vem e nas seguintes, entrar aqui no salão principal, onde há uma mesa toda reservada para você e onde celebraremos a vida e a morte numa série de textos (textos mesmo!) sobre tudo o que realmente importa – e um tiquinho do que não importa também*****.

    __________________

    *Suponho. Não sou connoisseur.

    **Os fãs de Marquezine e outras cocotas contemporâneas que me perdoem, mas hoje a mulher mais linda do Brasil é Giovanna Antonelli, apesar dos dois enes e eles.

    ***Dia desses descobri que a forma “beringela” hoje em dia é aceita e estou revoltado com isso.

    ****Há rumores – infundados, diga-se de passagem – de que o editor estava até fantasiado de sereia, para deixar a referência erudita mais clara.

    *****Semana que vem darei início a uma série de textos sobre literatura que pretendo, depois, reunir num livro intitulado Literatura de Cabotinagem, numa referência a um livro semelhante que escrevi quando tinha 27 (até então) mal vividos anos. E você só está sabendo disso porque teve a generosidade e a paciência de chegar até aqui. Nada mal para um pré-texto.


    paulo polzonoff jrPaulo Polzonoff Jr.

    Jornalista, crítico literário, tradutor e escritor, autor de "Manuel Bandeira" (2006) e "O Homem que Matou Luiz Inácio" (e-book, 2016).



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