*Para o Especial O Mensalão e Nós
Brasil, 2012. Fim de tarde. Na parada, dois jovens amigos, com caras de sono estranhas ao horário, esperam o ônibus para irem à faculdade. Um deles acessa, pelo smartphone, o portal de internet no qual tem conta de e-mail, com o intuito de checar as mensagens. Ao entrar na homepage e ver as notícias nacionais, puxa conversa com o outro:
- E este mensalão aí, hein? Ainda não terminou o julgamento desse troço.
- Parece que vai longe. Tem um monte de réus.
- Também, tudo ladrão nesse país!...
- Ah, e certo que vai acabar em pizza, né? Como sempre.
- Certo que vai. É o que eu disse: tudo ladrão nesse país. Não sei como pode ter tanto bandido lá em Brasília.
- Também não sei. Não dá para entender.
- ...
Carros e pessoas passam na rua, imperturbavelmente satisfeitos em seus IPIs reduzidos e fones de ouvido. O primeiro jovem segue a manusear o celular. O segundo pergunta:
- Mas mensalão já não tinha sido julgado?
- Pois é, também achava, mas só teve uma CPI, tá ligado? Deu ontem no Jornal Nacional. Acho que só investigaram, não chegaram a condenar ninguém. Sei lá, não lembro direito.
- Em que ano foi? 2008? Faz uns três ou quatro anos, né?
- Não, foi antes, eu acho...
- Ah, é, foi antes. Foi antes do Lula, então.
- Mas, cara, é foda tanto ladrão, né? A gente paga um monte de imposto para os ricos ganharem ainda mais dinheiro. Os pobres só se ralam.
- Mais ou menos o que o nosso professor aquele falou. Enquanto a gente não mudar o sistema, esse capitalismo aí, vai continuar essa bosta.
- Pode crer. E aquilo que ele disse sobre a mídia é pura verdade também. A mídia inventa demais.
- Com certeza. A mídia manipula tudo.
O fluxo de carros e pessoas continua. Surge barulho de buzina e de breve troca de insultos entre motoristas, evento que atrai o olhar dos jovens por não mais que dois segundos. Logo prosseguem:
- Cara, que show teu celular. Eu tou louco para trocar o meu. Queria uma câmera com mais resolução. Ontem fui tirar uma foto na frente do espelho para mostrar que a academia tá dando resultado, e tal... Coloquei no Feici, mas não ficou boa, não.
- Este é meu TIM. Tenho um Claro também, para aproveitar as promoções.
- Tá todo mundo nessa, agora. Vou acabar comprando outro para mim também. Aproveitar que agora as lojas estão podendo vender de novo.
- Problema é que vive caindo a ligação, né, meu? Uma bosta. E tem lugar na cidade em que não chega sinal.
- Cara, agora me diz uma coisa: e na Copa, como vai ser?
- Verdade. Imagina na Copa.
- Olha lá, tá vindo o bãs. Bora enfrentar a provinha do Paulo, agora.
- Estudou?
- Só dei uma revisada. Só com o que o Paulo disse na aula já chega, né?
- Ah, chega. Ficar três horas escutando o cara falar deve servir para alguma coisa.
- Hehe. Bem nessa. E o texto que ele mandou ler era muito grande. Ia demorar muito ler tudo aquilo.
O ônibus vai parando para pegar os passageiros.
- Mas meu, esquece teu celular. Se o sinal é ruim aqui fora, pior ainda dentro do ônibus.
- Putz, velho, vou ter que comprar mais um, de outra operadora. Vou ter MESMO.
Os dois entram no ônibus. A conversa sobre celulares e conexões segue animadamente, e com participação de outros passageiros, que, não resistindo ao tema, entram no papo. Um desses aciona, em seu aparelho, um mp3 do hit popnejo do momento. Ouve-se uma voz contrária, reclamando do som e garantindo que boa mesmo era uma banda de heavy metal recentemente conhecida. Os jovens ficam num debate intenso, que inclui até ataques pessoais e deboches, sobre a questão, só encerrado ao chegarem à universidade, quando o grupo se dispersa. Por ser dia de prova, há muitos rostos felizes com a possibilidade de saírem mais cedo, a tempo de assistir em casa ao último bloco da novela e ao filme da Tela Quente e emitir, para os contatos do Facebook e do twitter, comentários repletos de caracteres pouco ou nada decifráveis (“kkkkk”, “adoooooooro!!!”, “é nóis”, etc.) acerca do que estão vendo.
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
@lucas_colombo
Lucas Colombo
Jornalista, professor, colaborador de revistas e cadernos de cultura, editor do Mínimo Múltiplo, organizador do livro "Os Melhores Textos do Mínimo Múltiplo" (Bartlebee, 2014).